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     Date: 14 Aug 2003
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     EdiÚÇo especial da pÂgina www.paulocoelho.com.br , venda proibida








     ê  importante dizer  alguma coisa  sobre o  fato de O Alquimista ser um
livro simbÕlico, diferente de O  DiÂrio  de um Mago, que foi um  trabalho de
nÇo-ficÚÇo.
     Durante  onze anos de minha vida  estudei Alquimia.  A simples idÊia de
transformar metais em ouro,  ou de  descobrir o Elixir da Longa Vida, j era
fascinante demais para passar  despercebida  a qualquer  iniciante em Magia.
Confesso que  o Elixir da Longa Vida  me seduzia  mais: antes de  entender e
sentir  a  presenÚa  de  Deus,  a  idÊia de que  tudo ia acabar um  dia  era
desesperadora. De  maneira  que,  ao saber da  possibilidade de conseguir um
lÎquido  capaz  de  prolongar  por muitos  anos  minha  existËncia,  resolvi
dedicar- me de corpo e alma Á sua fabricaÚÇo.
     Era uma  Êpoca de  grandes  transformaÚÈes sociais ­ o comeÚo dos  anos
setenta ­  e nÇo  havia ainda  publicaÚÈes  sÊrias  a  respeito de Alquimia.
Comecei,  como um dos personagens do livro, a gastar  o  pouco dinheiro  que
tinha na compra de livros importados, e dedicava muitas horas do  meu dia ao
estudo da sua simbologia complicada. Procurei duas ou trËs pessoas no Rio de
Janeiro que se dedicavam seriamente  Á Grande Obra, e elas se recusaram a me
receber. Conheci tambÊm  muitas outras pessoas  que  se diziam  alquimistas,
possuÎam  seus laboratÕrios,  e prometiam  me ensinar os segredos da Arte em
troca de verdadeiras fortunas; hoje entendo que elas nada sabiam daquilo que
pretendiam ensinar.
     Mesmo  com  toda a  minha  dedicaÚÇo, os  resultados eram absolutamente
nulos. NÇo acontecia  nada do que os manuais de  Alquimia  afirmavam  em sua
complicada linguagem. Era  um sem-fim de  sÎmbolos, de dragÈes, leÈes, sÕis,
luas e mercßrios, e eu sempre tinha a impressÇo de estar no caminho  errado,
porque a linguagem simbÕlica permite uma gigantesca  margem de equÎvocos. Em
1973,  j  desesperado com  a  ausËncia  de progresso,  cometi  uma  suprema
irresponsabilidade.  Nesta  Êpoca  eu  era  contratado  pela  Secretaria  de
EducaÚÇo de Mato Grosso para dar aulas de teatro naquele  estado, e  resolvi
utilizar meus alunos em laboratÕrios teatrais que  tinham como tema  a TÂboa
da Esmeralda.  Esta  atitude, aliada  a algumas  incursÈes  minhas nas Âreas
pantanosas da Magia, fizeram com que no ano seguinte eu pudesse experimentar
na prÕpria carne a verdade do provÊrbio: "Aqui se faz, aqui se paga". Tudo a
minha volta ruiu por completo.
     Passei os prÕximos seis anos de minha vida numa atitude bastante cÊtica
com  relaÚÇo a  tudo que dissesse  respeito Á  Ârea  mÎstica.  Neste  exÎlio
espiritual, aprendi muitas coisas importantes: que  sÕ aceitamos uma verdade
quando primeira a negamos do fundo da  alma, que nÇo  devemos fugir de nosso
prÕprio destino, e que a mÇo de Deus Ê infinitamente generosa, apesar de Seu
rigor.
     Em 1981, conheci  RAM e o meu  Mestre, que iria conduzir-me de volta ao
caminho  que est traÚado  para mim.  E  enquanto ele  me  treinava em  seus
ensinamentos,  voltei  a  estudar  Alquimia por  minha prÕpria conta.  Certa
noite, enquanto  conversÂvamos depois de uma  exaustiva sessÇo de telepatia,
perguntei porque a linguagem dos alquimistas era tÇo vaga e tÇo complicada.
     ­ Existem trËs tipos  de alquimistas ­ disse meu Mestre. ­  Aqueles que
sÇo vagos porque nÇo sabem o que estÇo falando; aqueles que sÇo vagos porque
sabem  o que estÇo  falando, mas sabem tambÊm  que a linguagem da Alquimia Ê
uma linguagem dirigida ao coraÚÇo, e nÇo Á razÇo.


     ­ E qual o terceiro tipo? ­ perguntei.
     ­  Aqueles  que jamais ouviram  falar em Alquimia, mas que conseguiram,
atravÊs de suas vidas, descobrir a Pedra Filosofal.
     E com isto, meu  Mestre ­ que pertencia  ao segundo tipo ­ resolveu  me
dar aulas  de  Alquimia. Descobri que a  linguagem simbÕlica, que  tanto  me
irritava  e  me desnorteava,  era a ßnica maneira  de  se  atingir a Alma do
Mundo,  ou o  que  Jung chamou de "inconsciente coletivo". Descobri a  Lenda
Pessoal, e  os  Sinais de  Deus, verdades que meu raciocÎnio intelectual  se
recusava a aceitar  por causa  de  sua simplicidade. Descobri que atingir  a
Grande  Obra nÇo Ê tarefa de poucos, mas de todos os seres  humanos  sobre a
face da Terra. ê claro que  nem sempre a  Grande Obra vem sob a  forma de um
ovo e de um  frasco com lÎquido, mas todos nÕs podemos ­ sem qualquer sombra
de dßvida ­ mergulhar na Alma do Mundo.
     Por isso, "O Alquimista" Ê tambÊm  um  texto  simbÕlico. No decorrer de
suas pÂginas, alÊm de  transmitir tudo  o  que aprendi a  respeito,  procuro
homenagear grandes escritores que conseguiram atingir a Linguagem Universal:
Hemingway,  Blake, Borges (que tambÊm utilizou  a histÕria persa  para um de
seus contos), Malba Tahan, entre outros.

     Para  completar este  extenso  prefÂcio,  e  ilustrar  o que meu Mestre
queria  dizer com o terceiro tipo de  alquimistas, vale  a pena recordar uma
histÕria que ele mesmo me contou no seu laboratÕrio.
     Nossa Senhora, com  o Menino Jesus  em seus braÚos,  resolveu  descer Á
Terra e visitar um mosteiro. Orgulhosos, todos os padres  fizeram uma grande
fila, e  cada um  chegava diante  da  Virgem  para prestar sua homenagem. Um
declamou belos  poemas,  outro  mostrou suas  iluminuras  para a  BÎblia, um
terceiro  disse  o  nome de todos os  santos. E assim por diante, monge apÕs
monge, homenageou Nossa Senhora e o Menino Jesus.
     No ßltimo lugar  da  fila,  havia um padre, o mais humilde do convento,
que nunca havia aprendido os sÂbios textos da Êpoca. Seus pais eram  pessoas
simples, que trabalhavam num velho  circo das  redondezas, e  tudo  que  lhe
haviam ensinado era atirar bolas para cima e fazer alguns malabarismos.
     Quando  chegou  sua   vez,  os  outros   padres  quiseram  encerrar  as
homenagens, porque  o antigo malabarista nÇo  tinha  nada de importante para
dizer, e podia  desmoralizar a imagem do convento. Entretanto, no  fundo  do
seu coraÚÇo, tambÊm ele sentia uma imensa necessidade de dar alguma coisa de
si para Jesus e a Virgem.
     Envergonhado,  sentindo o olhar reprovador  de seus  irmÇos,  ele tirou
algumas  laranjas   do  bolso  e  comeÚou  a  jogÂ-las  para  cima,  fazendo
malabarismos, que era a ßnica coisa que sabia fazer.
     Foi sÕ neste instante que  o Menino Jesus  sorriu,  e comeÚou  a  bater
palmas no colo de Nossa  Senhora.  E foi  para ele que  a Virgem estendeu os
braÚos, deixando que segurasse um pouco o menino.












     Para J.
     Alquimista que conhece e utiliza os segredos da Grande Obra.







     Indo eles pelo caminho, entraram em um certo povoado. E certa mulher,
     chamada Marta, hospedou-o na sua casa.
     Tinha ela uma irmÇ, chamada Maria, que sentou-se aos pÊs do Senhor, e
     ficou ouvindo seus ensinamentos.
     Marta agitava-se de um lado para o outro, ocupada em muitos serviÚos.
     EntÇo aproximou-se  de Jesus e disse: ­ Senhor! NÇo te importas  de que
eu fique a servir sozinha? Ordena a minha
     irmÇ que venha ajudar-me!
     Respondeu-lhe o Senhor:
     ­ Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas.
     "Maria,  entretanto,  escolheu  a  melhor  parte, e  esta nÇo lhe  serÂ
tirada."








     O Alquimista  pegou  um livro  que alguÊm na  caravana havia trazido. O
volume  estava  sem capa, mas  conseguiu identificar seu autor: Oscar Wilde.
Enquanto folheava suas pÂginas, encontrou uma histÕria sobre Narciso.
     O Alquimista conhecia  a  lenda de  Narciso, um belo rapaz que todos os
dias  ia  contemplar  sua prÕpria beleza  num lago. Era tÇo fascinado por si
mesmo  que certo  dia  caiu dentro do  lago e morreu  afogado. No lugar onde
caiu, nasceu uma flor, que chamaram de narciso.
     Mas nÇo era assim que Oscar Wilde acabava a histÕria.
     Ele dizia  que quando  Narciso morreu,  vieram as OrÊiades  ­ deusas do
bosque  ­ e viram o lago transformado, de um lago de  Âgua doce, num c×ntaro
de lÂgrimas salgadas.
     ­ Por que vocË chora? ­ perguntaram as OrÊiades.
     ­ Choro por Narciso ­ disse o lago
     ­ Ah, nÇo nos espanta que vocË chore por Narciso ­ continuaram  elas. ­
Afinal  de contas,  apesar de  todas  nÕs sempre  corrermos atrÂs dele  pelo
bosque, vocË era o ßnico que tinha a oportunidade de contemplar de perto sua
beleza.
     ­ Mas Narciso era belo? ­ perguntou o lago.
     ­ Quem mais do que vocË poderia  saber disso? ­ responderam, surpresas,
as OrÊiades.
     ­ Afinal  de contas, era em suas margens que ele se debruÚava todos  os
dias.
     O lago ficou algum tempo quieto. Por fim, disse:
     ­  Eu choro  por Narciso,  mas jamais  havia percebido  que Narciso era
belo.
     "Choro  por  Narciso porque,  todas  as vezes que ele  se deitava sobre
minhas margens eu podia ver,  no  fundo dos seus olhos, minha prÕpria beleza
refletida".

     "Que bela histÕria", disse o Alquimista.





     O rapaz chamava-se Santiago. Estava comeÚando a escurecer quando chegou
com  seu  rebanho  diante  de  uma  velha igreja abandonada.  O  teto  tinha
despencado  h muito tempo, e um enorme sicÆmoro havia crescido no local que
antes abrigava a sacristia.
     Resolveu  passar a noite ali.  Fez  com que todas as ovelhas  entrassem
pela porta em ruÎnas, e entÇo colocou  algumas tÂbuas de modo  que  elas nÇo
pudessem fugir  durante a noite. NÇo haviam lobos naquela regiÇo,  mas certa
vez  um  animal havia escapado durante  a noite, e  ele gastara  todo o  dia
seguinte procurando a ovelha desgarrada.
     Forrou o chÇo com seu casaco e deitou-se, usando o livro que acabara de
ler como travesseiro.  Lembrou-se, antes de dormir, que precisava comeÚar  a
ler livros mais grossos: demoravam mais para acabar e eram travesseiros mais
confortÂveis durante a noite.
     Ainda  estava  escuro  quando acordou. Olhou para  cima,  e viu que  as
estrelas brilhavam atravÊs do teto semidestruÎdo.
     "Queria  dormir  um pouco mais",  pensou ele. Tivera  o mesmo sonho  da
semana passada, e outra vez acordara antes do final.
     Levantou-se e tomou um gole de vinho. Depois pegou o cajado e comeÚou a
acordar as ovelhas  que ainda dormiam. Ele havia  reparado  que,  assim  que
acordava, a maior parte dos  animais  tambÊm comeÚava  a despertar. Como  se
houvesse alguma misteriosa energia unindo sua vida  Á vida daquelas  ovelhas
que h  dois anos percorriam com ele a terra, em  busca  de Âgua e alimento.
"Elas j se acostumaram  tanto  a mim que  conhecem meus horÂrios", disse em
voz baixa. Refletiu um momento, e pensou que  podia ser  tambÊm o contrÂrio:
ele que havia se acostumado ao horÂrio das ovelhas.
     Haviam  certas  ovelhas,  porÊm,  que  demoravam  um  pouco  mais  para
levantar. O rapaz acordou uma a uma com seu cajado, chamando cada  qual pelo
seu nome. Sempre  acreditara  que as ovelhas  eram capazes de entender o que
ele  falava. Por isso  costumava Ás vezes ler para elas os trechos de livros
que o haviam impressionado, ou falar da solidÇo e da alegria de um pastor no
campo, ou comentar sobre as ßltimas novidades  que  via nas cidades por onde
costumava passar.
     Nos ßltimos  dois dias, porÊm, seu assunto  tinha  sido praticamente um
sÕ: a  menina, filha do comerciante, que morava na cidade por onde ia chegar
daqui a  quatro  dias. Tinha estado apenas uma vez lÂ,  no  ano  anterior. O
comerciante era dono  de uma loja  de  tecidos, e  gostava sempre de ver  as
ovelhas tosquiadas na sua frente, para evitar falsificaÚÈes. Um  certo amigo
tinha indicado a loja, e o pastor levou l suas ovelhas.






     "Preciso vender alguma lÇ", disse para o comerciante.
     A loja do  homem estava  cheia,  e o  comerciante  pediu  que  o pastor
esperasse  atÊ o entardecer.  Ele sentou-se na  calÚada da  loja e tirou  um
livro do alforje.
     ­  NÇo sabia que os  pastores sÇo capazes de ler livros ­ disse uma voz
feminina ao seu lado.


     Era  uma moÚa  tÎpica da regiÇo de Andaluzia, com  seus cabelos  negros
escorridos, e os olhos  que  lembravam  vagamente os  antigos conquistadores
mouros.
     ­ ê porque as ovelhas ensinam mais  que os  livros ­ respondeu o rapaz.
Ficaram  conversando  por  mais de  duas horas.  Ela contou que era filha do
comerciante, e falou da vida na aldeia, onde cada dia era  igual ao outro. O
pastor contou dos  campos de Andaluzia, das  ßltimas novidades  que  viu nas
cidades onde visitara. Estava contente por nÇo precisar conversar sempre com
as ovelhas.
     ­ Como aprendeu a ler? ­ perguntou a moÚa a certa altura.
     ­ Como todas as outras pessoas ­ respondeu o rapaz. ­ Na escola.
     ­ E, se sabe ler, entÇo por que Ê apenas um pastor?
     O rapaz  deu uma desculpa  qualquer para nÇo responder aquela pergunta.
Ele tinha certeza de que a moÚa  jamais entenderia. Continuou  a contar suas
histÕrias  de viagem, e os pequenos olhos mouros abriam-se e fechavam-se  de
espanto  e surpresa.  á medida  que o tempo foi passando, o rapaz  comeÚou a
desejar que aquele dia nÇo acabasse nunca, que o pai da moÚa ficasse ocupado
por muito  tempo e o mandasse  esperar por trËs dias.  Percebeu  que  estava
sentindo uma coisa  que nunca havia sentido antes:  vontade de ficar morando
numa mesma cidade para sempre. Com a menina de cabelos negros, os dias nunca
seriam iguais.
     Mas  o comerciante finalmente chegou e mandou que ele tosquiasse quatro
ovelhas. Depois,  pagou-lhe o que era  devido, e  pediu  que voltasse no ano
seguinte.





     Agora  faltavam apenas  quatro dias para chegar de novo Á mesma aldeia.
Estava excitado  e  ao mesmo  tempo  inseguro: talvez a  menina  j  tivesse
esquecido. Por ali passavam muitos pastores para vender lÇ.
     ­ NÇo tem import×ncia ­ disse o rapaz para as suas ovelhas. ­ Eu tambÊm
conheÚo outras meninas em outras cidades.
     Mas no fundo do seu coraÚÇo,  ele  sabia  que tinha import×ncia.  E que
tanto os pastores,  como  os marinheiros, como os caixeiro-viajantes, sempre
conheciam uma cidade onde havia alguÊm capaz de fazer com  que esquecessem a
alegria de viajar solto pelo mundo.






     O dia comeÚou a raiar e o pastor colocou as ovelhas seguindo em direÚÇo
ao sol. "Elas  nunca  precisam tomar uma decisÇo",  pensou ele. "Talvez  por
isso fiquem  sempre  juntos  de mim". A  ßnica  necessidade  que as  ovelhas
sentiam era de Âgua e de alimento. Enquanto o  rapaz conhecesse  os melhores
pastos  em Andaluzia,  elas seriam  sempre  suas  amigas. Mesmo que  os dias
fossem  todos iguais, com longas horas se  arrastando entre  o  nascer  e  o
pÆr-do-sol; mesmo que elas jamais tivessem lido um sÕ livro  em suas  curtas
vidas, e  nÇo conhecessem a lÎngua  dos homens que contavam as novidades nas
aldeias.  Elas  estavam contentes  com Âgua  e alimento, e isto  bastava. Em
troca, ofereciam generosamente sua lÇ, sua companhia, e ­ de vez em quando ­
sua carne.
     "Se hoje eu me tornasse um monstro e resolvesse matar uma por uma, elas
sÕ iam  perceber  depois que quase todo o rebanho tivesse sido exterminado",
pensou o rapaz. "Porque confiam em mim, e se esqueceram  de confiar nos seus
prÕprios instintos. SÕ porque as conduzo ao alimento e Á comida".
     O rapaz comeÚou a estranhar seus prÕprios pensamentos. Talvez a igreja,
com aquele sicÆmoro crescendo dentro, fosse  mal-assombrada. Tinha feito com
que  sonhasse um  mesmo  sonho pela  segunda  vez, e  estava  lhe  dando uma
sensaÚÇo de raiva contra suas companheiras, sempre tÇo fiÊis. Bebeu um pouco
de vinho que  havia sobrado do jantar na noite anterior, e apertou  contra o
corpo o seu casaco. Ele sabia que daqui a algumas horas, com o sol a pino, o
calor seria tÇo forte que nÇo ia poder
     conduzir as ovelhas pelo campo. Era a hora que toda a Espanha dormia no
verÇo. O calor durava atÊ  a noite, e  durante todo este tempo ele tinha que
ficar carregando  o casaco. Entretanto, quando pensava em reclamar do  peso,
sempre lembrava que por causa dele nÇo havia sentido frio de manhÇ.
     "Temos que estar sempre preparados para as surpresas do tempo", pensava
entÇo ele, e sentia-se grato pelo peso do casaco.
     O  casaco  tinha  um motivo,  e  o  rapaz  tambÊm.  Em dois anos  pelas
planÎcies de Andaluzia ele j sabia  de  cor todas as  cidades  da regiÇo, e
esta  era a  grande razÇo de sua vida;  viajar. Estava  planejando  explicar
desta vez Á menina porque um  simples  pastor  sabe ler: havia estado atÊ os
dezesseis anos  num seminÂrio.  Seus  pais queriam  que  ele fosse  padre, e
motivo de orgulho para  uma simples famÎlia camponesa, que trabalhava apenas
para comida e Âgua, como suas ovelhas. Estudou latim, espanhol, e  teologia.
Mas  desde  crianÚa  sonhava  em conhecer o  mundo,  e isto era  muito  mais
importante do que conhecer Deus ou os  pecados  dos homens.  Certa tarde, ao
visitar a famÎlia, havia tomado coragem  e dito para seu  pai que nÇo queria
ser padre. Queria viajar.




     ­ Homens de todo o  mundo j passaram por esta aldeia, filho ­ disse  o
pai. ­ VËm em busca de  coisas novas, mas continuam as  mesmas pessoas.  VÇo
atÊ  o morro conhecer o castelo e  acham  que  o passado  era  melhor que  o
presente.  TËm cabelos louros ou pele escura, mas sÇo iguais  aos  homens de
nossa aldeia.
     ­ Mas nÇo conheÚo  os castelos das terras de onde eles vËm ­ retrucou o
rapaz.
     ­ Estes  homens, quando conhecem nossos campos e nossas mulheres, dizem
que gostariam de viver para sempre aqui ­ continuou o pai.
     ­ Quero conhecer as mulheres e as  terras de onde eles vieram ­ disse o
rapaz. ­ Porque eles nunca ficam por aqui.
     ­ Os homens  trazem a bolsa cheia de dinheiro  ­ disse mais  uma  vez o
pai. ­ Entre nÕs, sÕ os pastores viajam.
     ­ EntÇo serei pastor.
     O pai nÇo disse mais nada.  No dia seguinte deu-lhe uma bolsa  com trËs
antigas moedas de ouro espanholas.
     ­ Achei certo  dia no campo.  Iam ser da Igreja, como  seu dote. Compre
seu rebanho  e  corra  o  mundo  atÊ  aprender que  nosso  castelo Ê o  mais
importante, e nossas mulheres sÇo as mais belas.
     E o abenÚoou. Nos olhos do pai ele  leu  tambÊm  a vontade de  correr o
mundo. Uma vontade  que  ainda vivia, apesar das dezenas de  anos que ele  a
tentou sepultar com Âgua, comida, e o mesmo lugar para dormir toda noite.






     O horizonte  se  tingiu  de vermelho, e depois  apareceu o sol. O rapaz
lembrou-se da  conversa com  o pai e sentiu-se  alegre;  tinha j  conhecido
muitos castelos e muitas mulheres (mas nenhuma igual Áquela  que o  esperava
em  dois dias). Tinha um  casaco, um livro  que podia trocar por outro, e um
rebanho de ovelhas. O mais importante, entretanto, Ê que todo dia  realizava
o grande sonho de sua vida; viajar. Quando cansasse dos campos de Andaluzia,
podia  vender suas ovelhas e tornar-se marinheiro. Quando  cansasse  do mar,
teria conhecido muitas cidades, muitas mulheres, muitas oportunidades de ser
feliz.
     "NÇo sei  como buscam Deus no seminÂrio", pensou, enquanto olhava o sol
que nascia. Sempre que  possÎvel, buscava  um  caminho diferente para andar.
Nunca  havia estado  naquela igreja antes, apesar de  haver  passado  tantas
vezes por ali. O mundo  era grande e inesgotÂvel, e se  ele deixasse que  as
ovelhas o  guiassem apenas um pouquinho, ia terminar descobrindo mais coisas
interessantes. "O problema Ê que elas nÇo se dÇo conta  de que estÇo fazendo
caminhos novos cada dia. NÇo percebem que os pastos mudaram, que as estaÚÈes
sÇo diferentes ­ porque estÇo apenas ocupadas com Âgua e comida."
     "Talvez seja assim com todos nÕs" ­ pensou o pastor. "Mesmo comigo, que
nÇo  penso em outras  mulheres desde que conheci a  filha  do  comerciante".
Olhou  o cÊu,  e pelos seus cÂlculos estaria antes do almoÚo em  Tarifa.  LÂ
poderia trocar  seu  livro por  um  volume mais grosso, encher a  garrafa de
vinho, e fazer a barba e o cabelo; tinha que estar pronto  para  encontrar a
menina, e nÇo  queria pensar  na possibilidade de  outro pastor ter  chegado
antes dele, com mais ovelhas, para pedir sua mÇo.
     "ê  justamente  a possibilidade de realizar um  sonho que torna a  vida
interessante", refletiu enquanto olhava novamente o cÊu e apressava o passo.
Tinha  acabado  de  se  lembrar  que  em  Tarifa  morava  uma velha capaz de
interpretar sonhos. E ele tinha tido um sonho repetido aquela noite.




     A  velha conduziu o rapaz atÊ um quarto no  fundo da casa,  separado da
sala  por uma cortina feita  de tiras de plÂstico colorido. LÂ  dentro tinha
uma mesa, uma imagem do Sagrado CoraÚÇo de Jesus, e duas cadeiras.
     A velha  sentou-se  e pediu  que ele fizesse o mesmo. Depois segurou as
duas mÇos do rapaz e rezou baixo.
     Parecia uma reza cigana. O  rapaz  j  havia encontrado muitos  ciganos
pelo caminho; eles viajavam e entretanto nÇo cuidavam de ovelhas. As pessoas
diziam que  a vida de um cigano era sempre enganar aos outros. Diziam tambÊm
que eles tinham pacto com demÆnios, e que raptavam crianÚas para servirem de
escravas em seus  misteriosos  acampamentos.  Quando  era  pequeno,  o rapaz
sempre tinha morrido  de medo  de ser raptado  pelos ciganos,  e  este temor
antigo voltou enquanto a velha segurava suas mÇos.
     "Mas  existe  a  imagem  do  Sagrado  CoraÚÇo  de Jesus",  pensou  ele,
procurando ficar mais calmo. NÇo queria que sua mÇo comeÚasse  a tremer  e a
velha percebesse seu medo . Rezou um pai-nosso em silËncio.
     ­ Que interessante ­ disse a velha, sem tirar os olhos da mÇo do rapaz.
E voltou a ficar quieta.
     O rapaz estava ficando nervoso. Suas mÇos comeÚaram involuntariamente a
tremer, e a velha percebeu. Ele puxou as mÇos rapidamente.
     ­ NÇo vim aqui para ler as mÇos ­ disse, j arrependido de  ter entrado
naquela casa. Pensou por  um momento que era melhor pagar a consulta e ir-se
embora  sem saber  de  nada. Estava  dando  import×ncia demais  a  um  sonho
repetido.
     ­  VocË veio saber de  sonhos ­ respondeu a velha. ­ E os sonhos  sÇo a
linguagem  de  Deus.  Quando  ele  fala  a  linguagem  do  mundo,  eu  posso
interpretar.  Mas  se  ele  falar a linguagem  de  sua alma,  sÕ  vocË  pode
entender. E vou cobrar a consulta de qualquer maneira.
     Mais  um  truque, pensou  o rapaz. Entretanto,  resolveu  arriscar.  Um
pastor  corre  sempre o risco dos  lobos  ou  da seca,  e  isto Ê que faz  a
profissÇo de pastor mais excitante.
     ­ Tive  o mesmo sonho  duas vezes seguidas ­ disse. ­ Sonhei que estava
num  pasto  com  minhas  ovelhas  quando aparecia uma crianÚa, e comeÚava  a
brincar  com os animais. NÇo gosto que mexam  nas minhas ovelhas, elas ficam
com medo de estranhos. Mas as crianÚas sempre conseguem mexer com os animais
sem que  eles se assustem. NÇo  sei porquË. NÇo sei como os  animais sabem a
idade dos seres humanos.
     ­ Volte  para  seu sonho  ­ disse  a velha. ­ Tenho uma panela no fogo.
AlÊm disso vocË tem pouco dinheiro e nÇo pode tomar todo o meu tempo.
     ­ A crianÚa  continuava a  brincar com  as ovelhas  por  algum tempo  ­
continuou o rapaz, um  pouco  constrangido. ­  E de repente, me pegava pelas
mÇos e me levava atÊ as Pir×mides do Egito.
     O  rapaz  esperou um  pouco  para ver se  a velha sabia o  que eram  as
Pir×mides do Egito. Mas a velha continuou quieta.
     ­ EntÇo, nas Pir×mides do  Egito, ­ ele falou as trËs ßltimas  palavras
lentamente,  para que a velha pudesse entender bem ­ a crianÚa me dizia: "se
vocË vier atÊ aqui, vai encontrar um tesouro escondido". E quando ela foi me
mostrar o local exato, eu acordei. Nas duas vezes.


     A velha continuou em silËncio por algum tempo. Depois tornou a pegar as
mÇos do rapaz e estudÂ-las atentamente.
     ­ NÇo vou lhe cobrar nada agora ­ disse a velha. Mas quero um dÊcimo do
tesouro, se vocË encontrÂ-lo.
     O rapaz riu. De felicidade. EntÇo iria economizar o pouco  dinheiro que
tinha, por causa de  um sonho que  falava  em  tesouros escondidos! A  velha
devia ser mesmo uma cigana ­ os ciganos sÇo burros.
     ­ EntÇo interprete o sonho ­ pediu o rapaz.
     ­ Antes jure. Jure que vocË vai me dar a dÊcima parte do seu tesouro em
troca do que eu lhe disser.
     O rapaz jurou. A velha pediu para que ele repetisse o juramento olhando
para a imagem do Sagrado CoraÚÇo de Jesus.
     ­ ê um sonho da Linguagem do Mundo ­ disse ela. ­  Posso interpretÂ-lo,
e Ê uma interpretaÚÇo muito difÎcil. Por isso acho que mereÚo minha parte no
seu achado.
     "E a interpretaÚÇo  Ê esta:  vocË deve ir  atÊ as Pir×mides  do  Egito.
Nunca  ouvi falar  delas, mas se  foi uma crianÚa  que lhe mostrou, Ê porque
existem. L vocË encontrar um tesouro que lhe far rico".
     O  rapaz ficou surpreso, e depois irritado. NÇo precisava ter procurado
a velha para isto.
     Finalmente lembrou-se de que nÇo estava pagando nada.
     ­ Para isto eu nÇo precisava perder meu tempo ­ disse.
     ­ Por isso lhe falei que seu sonho era difÎcil. As coisas  simples  sÇo
as mais extraordinÂrias, e sÕ os sÂbios conseguem vË-las. JÂ que nÇo sou uma
sÂbia, tenho que conhecer outras artes, como a leitura de mÇos.
     ­ E como eu vou chegar atÊ o Egito?
     ­  Eu  sÕ interpreto sonhos. NÇo  sei transformÂ-los em  realidade. Por
isso tenho que viver do que minhas filhas me dÇo.
     ­ E se eu nÇo chegar atÊ o Egito?
     ­ Eu fico sem pagamento. NÇo ser a primeira vez.
     E a velha nÇo disse mais nada. Pediu para que o rapaz saÎsse,  pois  jÂ
tinha perdido muito tempo com ele.




     O rapaz saiu decepcionado e decidido a nunca mais  acreditar em sonhos.
Lembrou-se de que tinha vÂrias providËncias a tomar: foi ao armazÊm arranjar
alguma comida,  trocou  seu livro por um livro mais grosso, e sentou-se  num
banco da praÚa para saborear  o  vinho novo que  havia comprado. Era um  dia
quente,  e  o vinho, por um destes mistÊrios insondÂveis, conseguia resfriar
um pouco seu corpo. As ovelhas estavam na entrada  da cidade, no estÂbulo de
um novo amigo  seu. Conhecia muita  gente por aquelas  bandas ­  e  por isso
gostava de viajar. A gente sempre acaba  fazendo amigos novos, e nÇo precisa
ficar com eles dia apÕs dia. Quando a gente vË  sempre as mesmas pessoas ­ e
isto acontecia no seminÂrio ­ terminamos fazendo com que elas passem a fazer
parte de  nossas  vidas. E como  elas fazem parte de  nossas  vidas,  passam
tambÊm a querer modificar nossas vidas. Se a gente nÇo for como elas esperam
ficar,  chateadas. Porque todas as pessoas tem a noÚÇo exata de como devemos
viver nossa vida.
     E  nunca  tËm noÚÇo de como devem viver  as suas prÕprias vidas. Como a
mulher dos sonhos, que nÇo sabia transformÂ-los em realidade.
     Resolveu  esperar  o  sol descer  um pouco,  antes  de seguir com  suas
ovelhas em  direÚÇo ao campo. Daqui a trËs  dias  iria estar com a filha  do
comerciante.
     ComeÚou a  ler o livro que tinha conseguido com o padre de  Tarifa. Era
um  livro grosso,  que falava de um  enterro  logo na primeira  pÂgina. AlÊm
disso, o nome dos personagens eram complicadÎssimos. Se algum dia escrevesse
um livro, pensou ele, ia colocar um  personagem aparecendo de cada vez, para
que os leitores nÇo tivessem que ficar decorando nomes.
     Quando conseguiu concentrar-se um pouco na leitura, ­ e era boa, porque
falava  de um  enterro na neve,  o que lhe transmitia  uma sensaÚÇo de  frio
debaixo daquele imenso sol ­  um velho sentou-se  ao seu  lado e  comeÚou  a
puxar conversa.
     ­  O  que eles estÇo  fazendo? ­ perguntou  o velho, apontando  para as
pessoas da praÚa.
     ­ Trabalhando ­ respondeu o  rapaz, secamente, e  voltou a  fingir  que
estava concentrado  na leitura.  Na verdade, estava  pensando em tosquiar as
ovelhas na frente  da filha do  comerciante, para ela  atestar como  ele era
capaz de fazer coisas interessantes. JÂ havia imaginado esta cena uma porÚÇo
de vezes;  em todas elas, a menina ficava deslumbrada  quando ele comeÚava a
lhe explicar que as ovelhas devem ser tosquiadas de trÂs para frente. TambÊm
tentava  se lembrar  de  algumas  boas  histÕrias para contar a ela enquanto
tosquiava  as ovelhas.  A  maior parte ele  tinha lido nos  livros, mas iria
contar  como se tivesse vivido pessoalmente. Ela nunca ia saber a diferenÚa,
porque nÇo sabia ler livros.
     O  velho, entretanto,  insistiu. Falou que estava cansado, com sede,  e
pediu um gole  de vinho  ao rapaz. O  rapaz ofereceu sua  garrafa;  talvez o
velho ficasse quieto.
     Mas o velho queria conversar de qualquer maneira. Perguntou que livro o
rapaz  estava  lendo.  Ele pensou em ser rude e mudar de banco,  mas seu pai
havia lhe ensinado o respeito pelos mais velhos. EntÇo estendeu o livro para
o  velho, por duas razÈes: a primeira Ê que nÇo sabia pronunciar o tÎtulo. E
a segunda era que, se o velho nÇo soubesse ler, ia ele mesmo  mudar de banco
para nÇo sentir-se humilhado.
     ­ Humm... ­ disse o velho, olhando o volume por todos os lados, como se
fosse um objeto estranho. ­ ê um livro importante, mas Ê muito chato.
     O rapaz ficou surpreso.  O velho  tambÊm lia, e j lera aquele livro. E
se o livro era chato como ele dizia, ainda dava tempo de trocar por outro.


     ­ ê um livro que fala  o que quase todos os livros falam ­  continuou o
velho. ­ Da incapacidade que as pessoas tËm de escolher seu prÕprio destino.
E termina fazendo com que todo mundo acredite na maior mentira do mundo.


     ­ Qual Ê a maior mentira do mundo? ­ indagou surpreso o rapaz.
     ­  ê  esta: em  determinado  momento de  nossa  existËncia,  perdemos o
controle de nossas vidas, e ela passa a ser governada pelo destino. Esta Ê a
maior mentira do mundo.
     ­ Comigo nÇo aconteceu isto ­  disse o rapaz. ­  Queriam  que  eu fosse
padre, e eu resolvi ser pastor.
     ­ Assim Ê melhor ­ disse o velho. ­ Porque vocË gosta de viajar.
     "Ele adivinhou  meu pensamento", refletiu o rapaz. O velho, entretanto,
folheava  o livro grosso, sem a  menor intenÚÇo de devolvË-lo. O rapaz notou
que ele  vestia  uma roupa estranha; parecia um Ârabe,  o  que nÇo  era raro
naquela regiÇo. A âfrica ficava a apenas algumas  horas da Tarifa; e  era sÕ
cruzar  o pequeno  estreito  num  barco.  Muitas vezes  apareciam  Ârabes na
cidade, fazendo compras e rezando oraÚÈes estranhas vÂrias vezes por dia.
     ­ De onde Ê o senhor? ­ perguntou.
     ­ De muitas partes.
     ­ NinguÊm pode ser de muitas partes ­ o rapaz falou. ­ Eu sou um pastor
e estou em muitas partes, mas sou de um ßnico lugar, de uma  cidade perto de
um castelo antigo. Ali foi onde nasci.
     ­ EntÇo podemos dizer que eu nasci em SalÊm.
     ­  O rapaz nÇo sabia onde era  SalÊm,  mas nÇo quis  perguntar para nÇo
sentir-  se humilhado  com  a  prÕpria  ignor×ncia. Ficou  mais  algum tempo
olhando a praÚa. As pessoas iam e vinham, e pareciam muito ocupadas.
     ­ Como est SalÊm? ­ perguntou o rapaz, procurando alguma pista.
     ­ Como sempre esteve.
     Ainda nÇo era uma pista. Mas sabia  que SalÊm nÇo  estava em Andaluzia.
SenÇo, ele j a teria conhecido.
     ­ E o que vocË faz em SalÊm? ­ insistiu.
     ­ O que faÚo  em SalÊm? ­  o  velho pela  primeira vez  deu uma gostosa
gargalhada. ­ Ora, eu sou o Rei de SalÊm!
     As  pessoas dizem  coisas muito estranhas, pensou o  rapaz. ás vezes  Ê
melhor estar com as ovelhas, que  sÇo caladas, e apenas  procuram alimento e
Âgua. Ou Ê melhor estar com os livros, que contam  estÕrias incrÎveis sempre
nas horas que a gente quer ouvir. Mas quando a gente fala  com pessoas, elas
dizem certas coisas e ficamos sem saber como continuar a conversa.
     ­ Meu nome Ê Melquisedec ­ disse o velho. ­ Quantas ovelhas vocË tem?
     ­  O  suficiente  ­ respondeu  o rapaz. O velho  estava querendo  saber
demais sobre sua vida.
     ­ EntÇo estamos diante de um problema. NÇo posso ajudÂ-lo enquanto vocË
achar que tem ovelhas suficientes.
     O  rapaz  se irritou. NÇo estava pedindo  ajuda. O  velho Ê  que  tinha
pedido vinho, conversa, e livro.
     ­  Me devolva o  livro ­ disse. ­ Tenho que  ir buscar minhas ovelhas e
seguir adiante.


     ­  Me dË um  dÊcimo de suas ovelhas ­ disse o velho. ­  E eu lhe ensino
como chegar atÊ o tesouro escondido.

     O rapaz  tornou entÇo a lembrar-se do  sonho, e  de  repente tudo ficou
claro.  A velha  nÇo tinha  cobrado  nada, mas  o velho ­ que era talvez seu
marido  ­  ia  conseguir arrancar  muito  mais  dinheiro  em  troca  de  uma
informaÚÇo que nÇo existia. O velho devia ser cigano tambÊm.
     Antes que o  rapaz dissesse  qualquer coisa, porÊm, o velho abaixou-se,
pegou um  graveto, e  comeÚou a escrever na areia  da praÚa. Quando  ele  se
abaixou, alguma coisa brilhou dentro do seu peito, com tanta intensidade que
quase  cegou o rapaz.  Mas num movimento  rÂpido demais para  alguÊm de  sua
idade, tornou a cobrir o  brilho com o  manto. Os olhos do rapaz voltaram ao
normal e ele pode enxergar o que o velho estava escrevendo.
     Na areia da  praÚa  principal da  pequena cidade, ele leu o nome do seu
pai e de sua mÇe.
     Leu  a histÕria  de  sua  vida  atÊ aquele  momento, as brincadeiras de
inf×ncia, as noites frias do seminÂrio. Leu o nome da filha  do comerciante,
que nÇo sabia. Leu coisas que jamais contara para alguÊm, como o dia  em que
roubou a  arma do  seu pai para  matar veados, ou sua primeira  e  solitÂria
experiËncia sexual.





     "Sou o Rei de SalÊm", dissera o velho.
     ­  Por  que  um  rei conversa  com  um  pastor? ­  perguntou  o  rapaz,
envergonhado e admiradÎssimo.
     ­ Existem  vÂrias razÈes. Mas vamos dizer que  a mais importante  Ê que
vocË tem sido capaz de cumprir sua Lenda Pessoal.
     O rapaz nÇo sabia o que era Lenda Pessoal.
     ­  ê aquilo  que vocË sempre desejou fazer. Todas as pessoas, no comeÚo
da juventude, sabem qual Ê sua Lenda Pessoal.
     "Nesta altura da  vida,  tudo  Ê claro, tudo Ê possÎvel, e elas nÇo tËm
medo de sonhar  e desejar tudo aquilo que  gostariam de ver  fazer  em  suas
vidas.  Entretanto,  Á medida  em  que o  tempo vai passando, uma misteriosa
forÚa comeÚa a tentar provar que Ê impossÎvel realizar a Lenda Pessoal.
     O que o velho estava dizendo nÇo fazia muito sentido para o  rapaz. Mas
ele queria saber o que eram "forÚas misteriosas"; a filha  do comerciante ia
ficar boquiaberta com isto.
     ­ SÇo  as  forÚas que  parecem ruins, mas na  verdade estÇo ensinando a
vocË como  realizar  sua Lenda Pessoal. EstÇo preparando seu espÎrito  e sua
vontade, porque existe uma grande verdade neste planeta: seja vocË  quem for
ou o que  faÚa, quando quer com vontade alguma  coisa, Ê  porque este desejo
nasceu na alma do Universo. ê sua missÇo na Terra.
     ­ Mesmo que  seja apenas viajar? Ou casar com a filha de um comerciante
de tecidos?
     ­ Ou  buscar um tesouro. A Alma  do Mundo Ê alimentada pela  felicidade
das pessoas. Ou pela infelicidade, inveja, cißme. Cumprir sua Lenda  Pessoal
Ê a ßnica obrigaÚÇo dos homens. Tudo Ê uma coisa sÕ.
     "E quando vocË  quer alguma coisa, todo  o Universo  conspira  para que
vocË realize seu desejo".

     Durante algum tempo ficaram em silËncio, olhando a praÚa  e as pessoas.
Foi o velho quem falou primeiro.
     ­ Por que vocË cuida de ovelhas?
     ­ Porque gosto de viajar.
     Ele apontou um pipoqueiro, com  sua carrocinha vermelha, que estava num
canto da praÚa.
     ­ Aquele  pipoqueiro tambÊm  sempre desejou viajar, quando crianÚa. Mas
preferiu  comprar uma  carrocinha de pipoca,  juntar dinheiro durante  anos.
Quando estiver velho, vai  passar um  mËs na âfrica.  Jamais  entendeu que a
gente sempre tem condiÚÈes para fazer o que sonha.
     ­ Devia ter escolhido ser um pastor ­ pensou em voz alta o rapaz.
     ­ Ele  pensou  nisto ­ disse  o velho. ­ Mas  os  pipoqueiros sÇo  mais
importantes  que  os  pastores.  Os  pipoqueiros tËm uma casa,  enquanto  os
pastores dormem  ao  relento.  As  pessoas  preferem  casar  suas filhas com
pipoqueiros do que com pastores.
     O  rapaz  sentiu  uma  pontada  no   coraÚÇo,  pensando   na  filha  do
comerciante. Em sua cidade devia haver um pipoqueiro.


     ­  Enfim, o que as  pessoas  pensam sobre pipoqueiros e sobre  pastores
passa a ser mais importante para elas que a Lenda Pessoal.
     O  velho folheou  o  livro,  e distraiu-se lendo  uma pÂgina.  O  rapaz
esperou  um  pouco,  e o interrompeu  da  mesma  maneira  como  ele  o havia
interrompido.
     ­ Por que vocË fala estas coisas comigo?
     ­ Porque vocË tenta viver sua Lenda Pessoal. E est a ponto de desistir
dela.
     ­ E vocË aparece sempre nestas horas?
     ­ Nem  sempre  desta forma,  mas jamais deixei  de  aparecer.  ás vezes
apareÚo sob a  forma de uma boa  saÎda,  uma boa  idÊia. Outras  vezes,  num
momento crucial, faÚo as coisas ficarem mais fÂceis. E assim por diante; mas
a maior parte das pessoas nÇo nota isto.
     O velho contou que na semana passada ele tinha  sido forÚado a aparecer
para um garimpeiro sob a forma de uma pedra. O garimpeiro tinha largado tudo
para ir  em  busca de esmeraldas. Durante cinco anos trabalhou  num  rio,  e
tinha  quebrado  999.999  pedras em  busca  de uma esmeralda.  Neste ponto o
garimpeiro pensou em desistir, e sÕ faltava uma pedra  ­ apenas UMA PEDRA  ­
para ele  descobrir sua esmeralda. Como ele tinha  sido  um homem  que havia
apostado em sua Lenda Pessoal, o  velho resolveu interferir.  Transformou-se
numa  pedra  que  rolou  sobre o pÊ do  garimpeiro.  Este,  com  a  raiva  e
frustraÚÇo  dos  cinco anos perdidos, atirou  a pedra longe. Mas  atirou com
tanta forÚa que ela bateu em outra pedra e esta se quebrou, mostrando a mais
bela esmeralda do mundo.
     ­ As pessoas aprendem muito cedo sua razÇo de viver ­ disse o velho com
uma certa amargura nos olhos. ­  Talvez seja por isso  que elas desistem tÇo
cedo tambÊm. Mas assim Ê o mundo.
     EntÇo  o rapaz se lembrou que a conversa  havia comeÚado com o  tesouro
escondido.
     ­  Os  tesouros  sÇo  levantados da  terra pela  torrente  de  Âgua,  e
enterrados  por estas mesmas  enchentes ­ disse  o  velho. ­ Se  vocË quiser
saber sobre seu tesouro, ter que me ceder um dÊcimo de suas ovelhas.
     ­ E nÇo serve um dÊcimo do tesouro?
     O velho ficou decepcionado.
     ­  Se vocË sair prometendo  o que ainda nÇo tem, vai perder sua vontade
de consegui-lo.
     O rapaz entÇo contou que tinha prometido um dÊcimo Á cigana.
     ­ Os  ciganos sÇo espertos ­ suspirou o velho. ­ De qualquer maneira  Ê
bom vocË aprender que tudo na vida tem um preÚo. ê isto que os Guerreiros da
Luz tentam ensinar.
     O velho devolveu o livro ao rapaz.
     ­ AmanhÇ, nesta mesma  hora, vocË me traz um dÊcimo de suas ovelhas. Eu
lhe ensinarei como conseguir o tesouro escondido. Boa tarde.
     E sumiu numa das esquinas da praÚa.


     O rapaz tentou  ler o  livro,  mas  nÇo  conseguiu concentrar-se  mais.
Estava agitado e tenso, porque sabia que o velho falava a verdade. Foi atÊ o
pipoqueiro, comprou  um saco  de pipocas, enquanto  pensava se devia  ou nÇo
contar a ele o que o velho dissera. "ás vezes Ê melhor deixar as coisas como
estÇo", pensou  o  rapaz, e ficou  quieto. Se dissesse algo, o pipoqueiro ia
ficar trËs dias pensando em largar tudo, mas estava muito acostumado com sua
carrocinha.


     Ele podia  evitar este sofrimento  ao  pipoqueiro.  ComeÚou a andar sem
rumo pela cidade, e  foi atÊ o porto. Havia um pequeno prÊdio,  e no  prÊdio
havia uma janelinha onde  as pessoas compravam passagens. O Egito  estava na
âfrica.
     ­ Quer alguma coisa? ­ perguntou o sujeito no guichË.
     ­ Talvez amanhÇ ­  disse o rapaz se afastando. Se  vendesse  apenas uma
ovelha podia  chegar  atÊ o  outro lado  do  estreito.  Era uma idÊia  que o
apavorava.
     ­  Mais  um  sonhador  ­  disse o sujeito do guichË  ao seu assistente,
enquanto o rapaz se afastava. ­ NÇo tem dinheiro para viajar.

     Quando estava no guichË,  o  rapaz havia se lembrado de suas ovelhas, e
sentiu medo de voltar para junto  delas. Dois anos haviam passado aprendendo
tudo sobre a arte do pastoreio; sabia tosquiar, cuidar das ovelhas grÂvidas,
proteger os animais  contra  os lobos.  Conhecia todos os campos e pastos de
Andaluzia.  Conhecia  o  preÚo  justo de comprar e  vender cada  um dos seus
animais.
     Resolveu voltar atÊ o estÂbulo de seu amigo pelo caminho  mais longo. A
cidade tambÊm tinha um  castelo,  e ele resolveu subir  a rampa  de  pedra e
sentar-se numa de suas muradas.  LÂ de cima ele  podia ver  a âfrica. AlguÊm
certa vez havia lhe  explicado que por ali chegaram os mouros,  que ocuparam
durante tantos anos quase toda a Espanha. O rapaz detestava os mouros.  Eles
Ê que tinham trazido os ciganos.
     De l  podia ver tambÊm quase  toda  a  cidade, inclusive a praÚa  onde
havia conversado com o velho.
     "Maldita  hora em  que encontrei este velho",  pensou  ele.  Tinha  ido
apenas buscar uma mulher que interpretasse sonhos. Nem a mulher nem o  velho
davam qualquer import×ncia  para  o  fato de  que ele  era  um pastor.  Eram
pessoas solitÂrias, que j nÇo acreditavam mais na vida, e nÇo entendiam que
os pastores terminam apegados Ás suas ovelhas. Ele conhecia em detalhes cada
uma  delas: sabia qual mancava, qual iria  dar  cria daqui  a dois meses,  e
quais eram as  mais preguiÚosas.  Sabia  tambÊm  como  tosquiÂ-las,  e  como
matÂ-las. Se resolvesse partir, elas sofreriam.
     Um vento comeÚou a soprar.  Ele  conhecia  aquele vento:  as pessoas  o
chamavam  de  Levante,  porque com  este vento chegaram  tambÊm as hordas de
infiÊis. AtÊ  conhecer Tarifa, nunca havia pensado  que a âfrica estava  tÇo
perto. Isto era um grande perigo: os mouros poderiam invadir novamente.
     O  Levante  comeÚou a  soprar mais forte.  "Estou  entre as ovelhas e o
tesouro", pensava o rapaz. Tinha que decidir-se entre alguma coisa que havia
se acostumado  e  alguma coisa  que gostaria de ter. Havia tambÊm a filha do
comerciante, mas  ela nÇo era  tÇo  importante como as  ovelhas, porque  nÇo
dependia dele. Talvez  sequer se lembrasse dele. Teve certeza de que, se nÇo
aparecesse  daqui  a dois dias, a menina nÇo iria notar: para  ela todos  os
dias eram iguais, e quando todos  os dias ficam iguais,  Ê porque as pessoas
deixaram de perceber as coisas boas que aparecem em suas vidas sempre  que o
sol cruza o cÊu.
     "Eu larguei meu  pai, minha  mÇe, e o castelo  da minha cidade. Eles se
acostumaram  e  eu me acostumei.  As ovelhas tambÊm vÇo  se acostumar  com a
minha falta", pensou o rapaz.
     De l de cima ele olhou  a praÚa. O pipoqueiro continuava vendendo suas
pipocas. Um  jovem casal sentou-se no banco onde ele havia  conversado com o
velho, e deram um longo beijo.


     "O pipoqueiro", disse para si  mesmo, sem completar  a frase. Porque  o
Levante havia comeÚado a soprar com mais forÚa, e ele ficou sentindo o vento
no  rosto. Ele  trazia os mouros,  Ê  verdade, mas tambÊm trazia o cheiro do
deserto  e das mulheres cobertas com vÊu.  Trazia  o  suor e  os  sonhos dos
homens que um dia  haviam partido em  busca  do  desconhecido, de  ouro,  de
aventuras ­ e de pir×mides. O rapaz comeÚou a invejar a liberdade do  vento,
e  percebeu que poderia ser como ele. Nada o impedia, exceto ele prÕprio. As
ovelhas,  a  filha  do comerciante,  os campos de  Andaluzia, eram apenas os
passos de sua Lenda Pessoal.







     No dia seguinte  o rapaz  encontrou-se com  o velho ao meio-dia. Trazia
seis ovelhas consigo.
     ­  Estou surpreso ­  disse  ele.  ­ Meu amigo  comprou imediatamente as
ovelhas. Disse que a vida inteira  havia sonhado em ser pastor, e aquilo era
um bom sinal.
     ­ ê sempre assim ­ disse o velho. ­ Chamamos de PrincÎpio FavorÂvel. Se
vocË for jogar baralho pela primeira vez, com quase toda certeza ir ganhar.
Sorte de principiante.
     ­ E por que?
     ­ Porque a vida quer que vocË viva sua Lenda Pessoal.
     Depois comeÚou a examinar as seis ovelhas, e descobriu que uma mancava.
O  rapaz  explicou que isto nÇo  tinha import×ncia, porque  ela era  a  mais
inteligente, e produzia bastante lÇ.
     ­ Onde est o tesouro? ­ perguntou.
     ­ O tesouro est no Egito, perto das Pir×mides.
     O rapaz levou um susto. A velha tinha dito a mesma coisa, mas nÇo tinha
cobrado nada.
     ­ Para chegar atÊ ele, vocË ter que seguir os sinais. Deus escreveu no
mundo o caminho que cada homem deve seguir. ê sÕ ler o que ele escreveu para
vocË.
     Antes  que  o  rapaz dissesse  alguma  coisa,  uma  mariposa  comeÚou a
esvoaÚar entre ele e o velho. Lembrou-se de seu avÆ; quando ele era crianÚa,
seu avÆ  lhe dissera  que  as  mariposas eram  sinal de boa  sorte. Como  os
grilos, as esperanÚas, as lagartixas, e os trevos de quatro folhas.
     ­  Isto ­ disse o velho,  que  era  capaz  de ler seus  pensamentos.  ­
Exatamente como seu avÆ lhe ensinou. Estes sÇo os sinais.
     Depois o velho  abriu o  manto que  lhe  cobria o peito. O rapaz  ficou
impressionado com o que viu, e  lembrou-se do brilho que havia notado no dia
anterior. O  velho  tinha  um  peitoral  de ouro  maciÚo, coberto de  pedras
preciosas.
     Era realmente um rei.  Devia  estar disfarÚado  assim  para  fugir  dos
salteadores.
     ­ Tome ­ disse o velho, tirando  uma pedra branca e uma pedra negra que
estavam presas no centro do peitoral  de ouro.  ­ Chamam-se Urim e  Tumim. A
preta quer dizer "sim", a branca quer dizer "nÇo". Quando vocË nÇo conseguir
enxergar os sinais, elas servem. FaÚa sempre uma pergunta objetiva.
     "Mas de uma maneira geral, procure tomar suas decisÈes.  O tesouro estÂ
nas Pir×mides e isto  vocË j  sabia; mas teve que pagar seis ovelhas porque
eu lhe ajudei a tomar uma decisÇo".
     O rapaz  guardou as pedras no  alforje . Daqui por diante, tomaria suas
prÕprias decisÈes.
     ­ NÇo  se  esqueÚa  de que  tudo  Ê  uma coisa  sÕ. NÇo  se esqueÚa  da
linguagem dos  sinais.  E, sobretudo, nÇo  se esqueÚa de ir atÊ o fim de sua
Lenda Pessoal.
     "Antes, porÊm, gostaria de contar-lhe uma pequena histÕria.
     "Certo mercador enviou seu filho para aprender o Segredo  da Felicidade
com  o  mais sÂbio de  todos os homens.  O rapaz andou durante quarenta dias
pelo deserto,


     atÊ chegar a um belo castelo, no alto de uma montanha. LÂ vivia o SÂbio
que o rapaz buscava.
     "Ao invÊs de encontrar um homem santo, porÊm, o nosso herÕi entrou numa
sala  e viu  uma atividade  imensa;  mercadores  entravam e  saÎam,  pessoas
conversavam pelos cantos, uma pequena  orquestra tocava  melodias  suaves, e
havia uma  farta mesa com os mais deliciosos pratos daquela regiÇo do mundo.
O SÂbio conversava  com todos,  e o rapaz teve que esperar  duas  horas  atÊ
chegar sua vez de ser atendido.
     "O SÂbio ouviu atentamente o motivo  da visita do rapaz,  mas disse-lhe
que naquele momento nÇo tinha tempo de explicar-lhe o Segredo da Felicidade.
Sugeriu que  o rapaz desse um passeio por  seu palÂcio,  e  voltasse daqui a
duas horas.
     "­ Entretanto, quero lhe pedir um favor ­ completou o SÂbio, entregando
ao rapaz uma  colher de chÂ, onde pingou duas gotas de Õleo. ­ Enquanto vocË
estiver  caminhando,  carregue  esta  colher  sem  deixar  que o  Õleo  seja
derramado.
     "O rapaz comeÚou a subir  e  descer as escadarias  do palÂcio, mantendo
sempre os olhos fixos na colher. Ao final de duas horas, retornou Á presenÚa
do SÂbio.
     "­ EntÇo ­  perguntou  o  SÂbio ­ vocË  viu as tapeÚarias da PÊrsia que
estÇo na minha sala de jantar? Viu  o jardim  que o  Mestre dos  Jardineiros
demorou dez  anos  para  criar?  Reparou  nos  belos  pergaminhos  de  minha
biblioteca?
     "O rapaz, envergonhado, confessou  que nÇo havia visto nada. Sua  ßnica
preocupaÚÇo  era  nÇo  derramar  as  gotas  de Õleo  que o SÂbio  lhe  havia
confiado.
     "­  Pois  entÇo volte  e conheÚa as maravilhas  do  meu mundo ­ disse o
SÂbio. ­ VocË nÇo pode confiar num homem se nÇo conhece sua casa.
     "JÂ mais  tranqØilo,  o  rapaz  pegou a colher e  voltou a passear pelo
palÂcio, desta vez reparando em todas as obras de